Mnemosine

MnemosineA memória é nosso bem maior e inestimável. É o norte de nossas vidas, é a determinação de nossa condição humana, evolutiva e emocional. É uma qualidade do ser humano lembrar, armazenar conhecimento acumulado ao longo da existência do planeta.

Lembrar é reviver uma situação de vida, da família, dos amigos, estudos, e etc; somos recortes ambulantes de diversos momentos vividos, às vezes repintados, reciclados, perseguidos. Sabe quando procuramos sentir novamente aquela sensação do primeiro amor? Ou aquele momento em que as lágrimas chegam aos olhos ao lembrar aquele desenho da infância, ou as brincadeiras de moleque?

Documentos e mais documentos sustentam nossa sociedade, um conjunto de leis criadas pelos homens põem ordem ao caos social, muitas civilizações surgem e caem, e sua perpetuação histórica é mais um instrumento da memória.

MnemosineMnemosine, segundo a mitologia grega, é uma titânide, de sua atuação deriva a origem da palavra “memória”; todos os heróis da antiguidade à Ela devem tributos, pois se conhecemos Hércules ou Aquiles hoje, é graças ao poder dela, seja por qual instrumento for. As bibliotecas, arquivos públicos, banco de dados, e afins são seus templos modernos, nestes locais as informações são armazenadas para serem acessadas de hoje até uma data indeterminada no insólito futuro.

O amor não sobreviveria sem as lembranças, o poder do tempo que a tudo corrói é suavizado pela ação da memória. Se assim não fosse a paixão não duraria segundos, pois precisamos lembrar o quê nos encantou na criatura; lembrar os motivos que levam a sermos amigos de determinadas pessoa, e de outras não, até mesmo para construir e manter nosso caráter faz-se necessário a ação de Mnemosine, retendo aqueles momentos cruciais onde a moral é testada, sejam bons  ou não tão bons, no profundo do nos inconsciente.

Deusa misericordiosa é também aquela que soterra as más lembranças no mais profundo de nosso ser, naquela parte de nossa mente inexplorada. As ciências, o intelecto, e a erudição dependem Dela para sobreviver, e continuarem a evolução humana, mesmo com seu culto em declínio atualmente, ela nunca deu as costas ao mundo dos homens, entretanto alguns deles até tentam sair de seus domínios, como uma parcela de nossos políticos de “memória fraca” em relação aos seus atos e promessas de campanhas; esses até são merecedores de seu castigo obliterador: a amnésia, este intrigante fenômeno do esquecimento patológico.

Quando o fardo é pesado demais seria melhor esquecer? Quando a dor for muito forte não seria melhor deixar para trás as dificuldades, e recomeçar como uma folha em branco? Algumas situações refletem uma dor tamanha que o melhor, na visão de nosso ego inimigo, seria esquecer, mais do que deixar para trás os problemas, esquecer talvez não seja o melhor, mas e a experiência, a sabedoria de viver que advém com os momentos vividos? E os momentos de felicidade?

MnemosineA cultura helênica é fonte inesgotável de sabedoria profunda, os gregos foram os primeiros seres a dimensionar a importância da memória, tanto que a situam em sua cosmogonia primordial; os titãs, seus iguais, são pintados como os filhos do céu (Urano) e Terra (Gaia), os primeiros, os pais dos deuses olímpicos, os titãs eram as primitivas forças da natureza que necessitavam de dominação, controle, dentre eles estava Mnemosine, a mesma que não tomou parte na titanomaquia, saiu sem punição desta guerra, e ainda foi amada pelo grande vencedor Zeus/Jove, o Senhor dos Deuses, sábio que era, sabia que precisaria dela para que seus feitos não se perdessem com o passar do tempo. Nem mesmo a morte (Tanatos) possui maior acento que ela, nossos mortos sempre viverão em nossas lembranças onde poderão ser acessados sempre, e da forma como quisermos. Falando nisto, havia também um pensamento clássico em relação às memórias, os mortos, ao entrar no reino de Hades esses espíritos desencarnados deveriam banhar-se no rio do esquecimento,e dependendo de seu merecimento vagariam pelo inferno como fantasmas ocos, ou iriam para os prazeres dos Campos Elísios, em ambas as situações eram despojados de reter seus atos passados.

As histórias antigas passam, são esquecidas e deixadas para trás, transformam-se em outros mitos são assimilados por outras culturas, são sincretizados em santos, porém continuam a existir num campo metafísico acima do nosso, e também numa esfera filosófica. Mnemosine/memória será sempre imprescindível para nossa realidade onde o tempo segue em linha reta, devorando tudo em seu caminho, deixado um rastro de acontecimentos que são instrumentalizados pela deusa em questão.

Qual é a sua postura diante da morte?

Nada mais certo em nossa trajetória, e final certo para todas as criaturas vivas do que a morte. Aliás tudo tem um final, e isto também pode ser contabilizado, tudo têm que acabar em algum momento, e sabendo disto vem outra pergunta que quase não é feita, mesmo sabendo de nosso destino fatídico: o que fazer com o tempo que nos resta?

Sim, pergunta mais que essencial deveria ser feita todos os dias diante de escolhas tão óbvias e muitas vezes danosas que fazemos, então porque não escolher viver bem? Ou fazer tudo o que der na telha já que vamos morrer mesmo? Porém e os outros? Não fazemos tudo o que queremos principalmente porque haverão consequências e outros não deixarão que façamos tudo, acima da sociedade há as leis para o bem comum do planeta e das civilizações.

Podemos viver bem, e viver a boa vida. Uma boa vida não é exclusividade nossa, mas estendida aos próximos e como encaramos o mundo que nos cerca e a resposta que damos ao nosso cotidiano, com frustrações e alegrias. Será que só reclamamos quando tudo dá errado ou não está a contento, ou agradecemos ou não quando tudo está bem? Qual postura tomamos frente aos acontecimento? Isto define o tipo de vida que estamos levando. Viver a própria vida é algo difícil demais, é mais fácil cuidar da vida dos outros, assim vemos muitas pessoas dando receitas milagrosas para mudar a vida dos outros, palpites para melhorar a situação, ou simplesmente brincando de juiz e júri da vida alheia julgando e condenando a rodo.

Assumir as rédeas deste cavalo louco que é o destino, e aceitar que as vezes acertamos, e outras vezes erramos feio também é maturidade, e nada tem a haver com idade, mas sim com aprendizado e postura. Quem muito viu nem sempre é quem muito viveu. Todos sabemos que não somos eterno, o problema é que na maioria do tempo esquecemos disto, e daí deixamos de abraçar nossos amigos, dar um sorriso quando é preciso simplesmente para não baixar a guarda, ou beijar a mãe quando ela nos faz o prato preferido. São pequenas coisas, e as pequenas coisas pintam o retrato maior que é nossa vida, na verdade um mosaico, onde tudo se junta e forma o todo. E a beleza está aí, não em ficar perseguindo a felicidade como se fosse algo inatingível ou que ainda está por chegar.

Como posicionar-se perante a vida sabendo da iminente chegada da morte? Esta é a pergunta que vale todos os tesouros de nosso mundo. Tornar-se um hedonista assumindo e sorvendo todos os prazeres do mundo sem medir as consequências ou mergulhar no mais profundo niilismo existencial não tendo otimismo e esperando pelo fim inevitável? A resposta de consenso seria o caminho do meio, da temperança, nem de mais, nem de menos, tudo é permitido dentro dos valores morais coletivo.

Se estamos aqui hoje significa que podemos compartilhar, sim, compartilhar nossas dores, sofrimentos, alegrias, vitórias, olhar para o lado e ver que existem pessoas mais realizadas, entretanto há quem está pior do que nós e precisam de nossa ajuda, nossa mão amiga ou  simplesmente nossos ouvidos sinceros. Aliás ajudar é sempre um boa maneira de sair do sofrimento, ver e analisar a vida alheia com misericórdia é a forma mais amorosa de perdoar-nos a nós mesmos por existir, tantas dores nascem da nossa incapacidade de conceder o auto-perdão, daí tornamo-nos os nossos algozes por toda a existência desperdiçando energia e vida, não é preciso desejar a morte ela virá, mas é muito difícil chegar a essa constatação quando estamos mergulhados na depressão e nada mais possui colorido, apenas tons de cinzas.

A morte sempre teve poder extraordinário, na mitologia é filha da Nix (a noite primordial) e irmão de Hipnos (o sono), há um ramo na ciência que estuda sua influência e chama-se tanatologia, que vem de seu nome grego Tanatos. Todos estamos fadados a passar por ela, e conforme muitas religiões simboliza uma porta, uma passagem para outro estágio de existência, no cristianismo Jesus Cristo passou pela morte e ressuscitou, assim como diversas divindades messiânicas antes dele. Na antiguidade os próprios deuses podiam morrer, exceto os primordiais, e era temida por todos.

Somos mortais e isto torna nossa existência mais linda, e o peso de nossos atos são maiores, o tempo não retrocede, e devemos sempre pesar bem o que  fazemos, cada dia é como um segundo nascimento, então vamos aproveitar o dia de hoje para refletir, e procurar viver no sentido mais amplo da palavra com as rédeas nas mãos firmes.